terça-feira, 22 de janeiro de 2013

José Augusto Mourão


VIDA
- Nasce em Lordelo (Vila Real) em 1947 e morre em Lisboa a 5 de Maio de 2011
- Ocupação principal: ensino e escrita
- Passa a maior parte do seu tempo em diálogo com estes dois mundos: como frade dominicano e entre os universitários
- É atraído pela linguagem e pela questão da palavra | ocupa-se com o ensino e a escrita
- Professor Associado com Agregação no Departamento de Ciências da Comunicação na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
- Homem íntegro, tímido, discreto, de poucas palavras, um trabalhador infatigável e intenso em todas as áreas que estudou, pregou e ensinou
- Escrevia tudo o que investigava, tudo o que ensinava, todas as suas homilias, ensaios, poemas… obra densa e profunda
- Desenvolveu um especial gosto litúrgico - lugar de reflexão e de partilha | incentivo para ligarmos o corpo com a liturgia | alegria e beleza dos cânticos | qualidade das palavras expressadas na homilia
- Quem contactou com ele assistiu a um homem que imediatamente se oferece como dom a quem dele se aproxima
- Passou a vida a estudar, a questionar, a interrogar-se | acreditou e deu exemplo da força da palavra, da procura da palavra

OBRA - VAZIO VERDE
- O Vazio, na sua poesia, é trespassada pela esperança e pela procura de Deus;
- “A inspiração bíblica é uma constante dos seus versos onde o jogo das palavras é um jogo de investigação permanente, uma constante descoberta de novas formas bíblicas, como quem edifica novos salmos para os orantes do futuro” (Excerto de um texto de C.F. publicado no Jornal Voz Portucalense | 11.05.2011)
- Caminho, travessia, busca desmedida de alguma coisa
- O Vazio é o despojamento para encontrar o caminho
- Corpo como escuta e desejo - na procura do doce da vida
- Eucaristia e liturgia como um caminho de encontro com Deus
- Poesia - força das metáforas
- “A liturgia inscreve-nos numa visualidade específica, num tacto e num sabor. Inicia-nos na efusão sagrada dos aromas. E é, plenamente, audição” (José Tolentino Mendonça, apresentação do Nome e a Forma)

sábado, 19 de janeiro de 2013


Nuno Bragança
O livro, intitulado com o nome, “noite e o riso” surge em 1969 e constitui uma nova novidade literária pelo desafio que faz ao modo de construção de uma narrativa tradicional.
Um tríptico, na pintura, é um conjunto de 3 painéis, um central e dois laterais com temática, em geral, relacionado com o central.
O escritor evidência, nos seus textos ideias, tais como: a literatura e a busca de uma sociedade mais justa. Ideias sempre nortadas por uma visão cristã do mundo (visão sempre muito destacada), entendendo os valores cristãos com pilares da justiça, que repudiam a repressão e o ódio. O seu texto funciona como grito interior, sendo o despertar de uma inquietação. Ora, a hora esta dividida em três Painéis.

I-Painel
Este primeiro Painel, expressão singular, “criada embora entre hábitos de faisão”, cedo me especializou na arte de estender os braços”, aludindo aqui a infância do eu/narrador, vivido no seio de uma família aristocrata, que renuncia à cultura artística, cujas regras conduzem a um percurso de romper. A necessária e urgente, transmitir essa inquietação vivida que entusiasma o narrador.
Na análise que faz as relações Família-Criança, Nuno Bragança põem em questão todo o processo educacional estabelecido no seu tempo que é baseado na competição e não na cooperação. O desajustamento da criança com as regras que são instituídas e a imposição dessas normas são motivo de um sarcasmo e de troça cruel que impõem o ritmo do discurso, sempre variável, bem como a escolha de palavras ou expressões cómicas que escondem a sua comicidade numa aparente rigidez.
A construção do discurso do primeiro painel assenta na ironia fina, acompanhada por uma criatividade a nível semântico e por uma arbitrariedade na sintaxe, eximiamente exploradas pela disposição do eu-narrador para criar obstáculos da leitura, e ao mesmo tempo, seduzir. Tudo é justificação para a sua obsessão pela escrita, então avança com uma escrita de inquietação e de interpretação. A inquietação foca o fundamentalismo o tema da mote, cujos contornos são bastantes visíveis logo na dedicatória. O livro é dedicado a Carolina Fonseca Caupers, mãe de primeira esposa do escritor, porque “foi uma pessoa que me ensinou como se morre”. A filosofia existencialista revela-se aqui como uma das bases possíveis de análise da obra.

II-Painel
 O primeiro painel é preenchido, por uma infância imposta junto da Família. Este painel, por sua vez, o qual corresponde no tríptico ao painel central, aparece o mesmo eu/narrador noutra fase, isto é, exprimindo conhecimentos advindos da sua actividade de viajante (com Simão e Gaspar), para posteriormente, atingir o auge com a rapariga do canavial, Luísa Estrela e Zana.
No capítulo intitulado a Zana, Bragança introduz uma carta, género literário tão ao gosto do Romantismo português, onde recorda o seu passado com Zana.
O texto de Nuno Bragança nutre-se com a expressão do feminino, logo a ausência deste capítulo estimula, incute nas palavras um estado moribundo que se vai intensificando até ao final do romance.
 Anabela, aparece para substituir Zana, a presença paliativa, força para tentar inverter a curva descendente. Todavia, o homem não consegue iludir o leitor, visto que deixa escapar os sintomas da solidão que o atravessa. Este painel e extremamente sóbrio e distante.

III-Painel
 A conclusão do tríptico, terceiro painel, inicia-se com uma só frase, numa página em branco: “ Escrevo isto debaixo de um freixo que por acaso é um pinheiro seco” pode considerar se um titulo a todo o painel, que desenha uma metáfora de auto reflexividade literária, perfeitamente supérflua para a exegese do derradeiro painel.
O combate do eu/sociedade volta a estar novamente no centro do painel. Exige-se mais do que nunca, aqui, ao leitor um esforço suplementar para enfrentar as ideias fragmentárias que vão nascendo, no painel.
Constata-se, neste ultimo painel, um ressurgimento de temas que consagram outros testos anteriormente apresentados sob a forma de paródia. Agora, com pinceladas leves, a condição da mulher, o Estado, a justiça, as condições e desigualdades sociais, a imbecilidade da opulência, marcam presença. Neste terceiro painel, o narrador foge do nexo para apalpar a realidade, procurando transmitir a sua ausência na realidade. Estas reflexões são espelhos da realidade.     

  



Nuno Bragança
Nuno Manuel Maria Caupers de Bragança nasceu em Lisboa a 12 de Fevereiro de 1929 numa família da alta aristocracia portuguesa a Casa de Lafões, descendente do rei D. Pedro II, sendo seu pai, D. Manuel de Bragança e sua mãe, Maria Margarida Street Caupers.
Começou por frequentar o curso de Agronomia, mas cedo dele desistiu, transitando para o curso de Direito. Que completara em 157.
A partir do ano do seu casamento, 1955, com Maria Leonor Fonseca de Matos e Goes Caupes, sua prima, integra a equipa do jornal Encontro (órgão de JUC- juventude Universitária Católica), onde publicou os seus primeiros textos de Literários.
Este é outro aspecto determinante da vida de Nuno Bragança: a clandestinidade obrigava-o a um secretismo esmagador.
Da segunda metade dos anos 50 datam textos com A Morte da Perdiz, O Guardador de Porcos ou Guliveira e os Liliputo. Pela mesma altura escreveu inúmeras críticas cinematográficas. Paralelamente, na sua vida profissional especializou-se em problemas de Emprego, fez parte do movimento chamado «católicos progressistas». Foi co-fundador da revista O Tempo e o Modo, de que foi colaborador entre 1963 e 1969. Nos anos 60 foi militante do Movimento de Acção Revolucionária. A sua tendência revolucionária tinha-se intensificado. Interessava-lhe mais a acção romântica e revolucionária.   
A partir de 1968 fixou-se em Paris, trabalhando na representação de Portugal. Data desta época a publicação do seu primeiro romance “A Noite e o Riso”. No fim de 1972 volta a Portugal. (Em 1985 morre.)
Levantava se às cinco da manhã, todos os dias, para escrever.
Cristão empenhado e consciente da luta de classes, homem preso pela vida.
A noite e o riso”, livro constituído em três partes (painéis).
O primeiro painel é caracterizado pelo humor
O segundo painel é caracterizado por ser extremamente “sóbrio e distante”, mas nós só sabemos como ele se sente através dos gestos dele,
O terceiro painel caracteriza se por ser um conjunto de micro-relatos morais com uma espécie de experiência de vida. Esta é uma questão importante, porque a estranha estrutura do livro é algo de apreciação contraditória.  





          

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Carta de Ruy Cinatti ao Pe. João Cabral.


Carta ao Pe. João Cabral

Meu querido amigo, Padre Cabral, Irmão João
Que ideia, que ideia, eu ficar zangado! Zangado porquê?! Então o Pe. Cabral pensa que lá por ser poeta, ou melhor, pelo facto de ser poeta me iria susceptibilizar com opiniões, ainda mais quando estas são mais precisamente de ordem afectiva. Não, nunca. Fique de uma vez sabendo, e eu já várias vezes o tenho manifestado, que não há coisa que mais me aborreça que a preguiça sentimental. Por dar imenso valor ao sentimento não o posso querer desvirtuado. Há uma coisa que é de ordem inteligente, uma ternura inteligente, uma sensibilidade inteligente, que eu muito prezo, acima de todos, nos meus amigos. Mas ficar zangado pelo facto de o Pe. Cabral não se ter adaptado, melhor, não ter tido aptidão para o meu livro, já lhe disse — isso nunca. O que posso fazer é conversar consigo, explicar-lhe um certo número de assuntos. Aliás, quando lhe ofereci o livro já sabia que o Pe. Cabral o não poderia apreciar como obra em si, isolada do autor. Mandei-lho, porque ele me pertence, porque até agora este livro representa a única prova material, objectiva, da graça que Deus me deu. Sim, porque se eu me sinto penalizado para comigo de não ter servido a Nosso Senhor, melhor, para benefício dos outros. Mandei-lho como quem se confessa. Porque sei que os meus pecados são uma miséria perante a misericórdia de Deus em si, Pe. Cabral! Porque eu também o conheço, Pe. Cabral. E conhecendo-o, amo-o, não importa as divergências que possa haver entre nós. Cada vez mais me afirmo na verdade de que só as almas interessam. E onde está um homem está uma alma. É um erro, e esse erro já se faz sentir nas consequências, suporem-me capaz de me ligar a este ou àquele emblema pela razão de maior afinidade. Quando digo emblema, digo homens, ideias, coisas. Não tenho eu ido para junto dos Jesuítas quando tudo em mim me chama para os Beneditinos ou para os Franciscanos? Não me misturo eu aos comunistas e ainda mais a muitos rapazes orgulhosos no pecado ou humildes no pecado [?]. Ah! e eu teria muito maior paz junto àqueles que aceitam a minha verdade que é a de Jesus Cristo através da sua Santa Igreja! Maior paz, mas não melhor. É que junto desses transviados eu sinto quanto é grande a minha miséria, são eles que trazem luz à minha consciência adormecida num bem-estar que é transitório. Ora veja como o Pe. Cabral serviu de objecto para uma meditação. E que me fez lembrar o tempo passado e o que é presente, em que eu me intimido por razões secundárias, me calo, temendo o escândalo da Verdade. Mas o Pe. Cabral conhece-me e isso é que é grave. Grave para mim, pois não lhe mereci ainda inteira confiança, porque se embaraçou demorando-se em responder-me, hesitando dias seguidos no que havia de me dizer. Grave para mim, pois supondo-me isento de respeito humano sou acusado indirectamente por aqueles que melhor me conhecem. Uma vez mais o que eu penso não corresponde à realidade. Vamos pedir a Deus para que isso aconteça.
Quanto à poesia (mas o Pe. Cabral não me falou da introdução em prosa). Se por razões de ordem intelectual e estética não pôde comunicar com a minha poesia, porque não me falou da prosa, esquecendo a poesia? É este um princípio de crítica que anda muito esquecido: falar apenas do que podemos entender de alma e coração: falar com amor; isto é, criticar quando estamos em perfeita identidade com o objecto. É verdade que haveria muito menos crítica se esquecermos o tempo que é sempre o melhor crítico.
Se dou muito valor à poesia é que ela é para os poetas chamados de modernistas (o modernismo já tem bem uns cinquenta anos!) uma porta de salvação. Tem um carácter sacro, é a vida mais sobreelevada, mais íntima, mais religiosa de muita gente mesmo que não se exprima em poesia.
Por isso a poesia moderna só pode ser apreendida com espírito de oração. É preciso esperar: é necessário que se façam trevas para que a luz se revele. Ela é luz e não claridade. Por isso a poesia moderna tem um carácter verdadeiramente religioso, cristão, mesmo quando parece estar em antagonismo com a religião cristã. Ela é luz e não claridade. Como nos primeiros tempos do cristianismo ela priva-se da claridade greco-latina para melhor receber a luz divina. Este carácter de humildade salva a poesia moderna de muitos excessos. Por isso estando na linha de continuidade da verdadeira poesia de todos os tempos, ela não é um objecto de prazer para os sentidos, de deleite para certos momentos: é a vida com toda a sua estranheza, encanto, contradição. Falo evidente¬mente da verdadeira poesia moderna. Lembro-me desse santo laico que é o José Régio.
Repare neste pedaço de uma poesia do Régio transcrita pelo P.° João Mendes no seu livrinho sobre os «três verbos da vida». Quantos não acharão abstruso, apoético (no sentido dos Correias de Oliveiras e muitos outros arranjadores de raminhos floridos do século XIX e ainda neste) e, no en¬tanto como é uma poesia que os católicos bem formados percebem, porque é uma poesia que se ele¬vou na compreensão de uma verdade que nós aprendemos de cor, muitas vezes sem nela meditar.

EXAME DE CONSCIÊNCIA

Sabe (se é que o não sabes)
Que ao teu amor por mim foi que ganhei amor,
Que a ti... sei se te amo.
Sei que me deixam sozinho
Ante o girar dos mundos e dos séculos!
Sei que um deserto é o meu caminho;
Sei que o silêncio
Me há-de sepultar em vida;
Sei que o pavor, a noite, o frio,
Serão jardim da minha ermida;
Sei que tenho dó de mim...
Fica tu sabendo assim,
Querida!
Porque te chamo.
Mas amar-te?!
Não! reduziram-me a isto:
Só a mim amo.

Parece-me que isto é muito mais religioso porque corresponde a uma realidade vital, a uma angús¬tia verdadeiramente metafísica transposta para um caso particular, do que todos os poemas de muitos poemas que falam de Nosso Senhor com Ele a mil infinitos de distância, sem O compreenderem, sem entrarem no conhecimento de si próprios e aí encontrarem o latejar do nosso Eu verdadeiro: Deus.
Ou então,
Poderás amar-me assim, (Como explicar-me?) Por qualquer Cousa que eu for Mas não por mim, não a mim...

também de José Régio e em que ele procura a Deus no amor. Vale mais do que todos
Amo-te ó Cruz nos vértices firmada
De rútilas Igrejas etc.
Tárá tá tim — Tara tá tim, Tara tá tim.

em que a Cruz não se encontra bem dentro de nós como objecto de Amor, mas fora de nós, apenas como objecto de admiração de curiosidade, alheia a nós, mesmo quando em pensamento a deseja¬mos em nós.
Já reparou que as igrejas portuguesas são mais uma feira dos nossos pecados do que a casa on¬de se dá glória Deus! O mau gosto é um insulto a Deus, as florinhas de papel de todas as cores são insulto a Deus. A sua fealdade, a sua fraqueza, dureza de coração, tibieza de fé, nenhum paladar para o sobrenatural, reinado de convenções, podridão, farisaísmo etc., etc. E no entanto, e isto é para comover, continuam as velhotas a ir à Missa, cheias de piedade, muito absurdas, que nos fazem sorrir quando deveriam fazer chorar de arrependimento. Isto também sucede com a poe¬sia. Foi a superabundância de pobreza de alma e de ingratidão que motivou o movimento modernista que, antes de cantar e de louvar procurou investigar as causas do mal anterior, em si próprios; como cegos caminharam, como as velhotas mantiveram-se fiéis à sua mais sagrada verdade, como homens inteligentes fizeram o seu exame de consciência. O tempo já se iniciou em que descober-tas as fontes de água pura, os poetas cantam com a certeza.

Desculpe Pe. Cabral este testamento. Creia que por Bem. Agora escreva-me e não demore mui¬to. Ajude-me a caminhar, pois cada palavra que me disser é um passo a mais que eu dou e que Deus há-de abençoar. «Sed tantum dic Verbo.»
Falar-lhe-ei da rapaziada na próxima carta. Mas antes responda a esta.

Seu muito amigo Ruy

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Sobre Fernando Pessoa

A propósito da minha apresentação de amanhã, e porque o tempo escasseia e que alguns já viram este vídeo numa outra apresentação minha, cá fica um vídeo interessante sobre o meu autor...


quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Leitura teológica de Por que motivo se rebelam os pagãos? de Flannery O’Connor



  Desde o início do texto até que se lança o diálogo entre Walter e sua mãe (pp. 185-186) é-nos apresentado a situação de pano de fundo desafiante para o questionado Walter. Este pano de fundo corresponde ao regresso de Tilman (pai de Walter) a casa depois de um acidente vascular cerebral. A posição de Walter é questionada face a este problema, e é nesta chave de leitura que salto para a minha leitura teológica: a da via sacra, paixão e morte de Jesus. Passo a explicar, no trecho referido, são enunciados temas ou figuras que poderão ser remetidas para a via sacra, paixão e morte de Jesus que será assumido na personagem de Tilman. Este último “tivera o acidente vascular cerebral na capital do estado”, qual Jerusálem onde Jesus dera a sua vida. Mas sucedem-se as imagens: “Não tinha memória do regresso a casa na ambulância, mas a esposa lembrava-se bem. Passara duas horas sentada no assento desdobrável aos pés dele, a olhar fixamente para o seu rosto.” “Não tinha memória” como Jesus morto que é levado para o sepulcro e, por isso, só a esposa (Maria e a Igreja) “lembrava-se bem” guardava memória destes acontecimentos. “Aos pés dele, a olhar fixamente para o seu rosto” sugere-nos a tradição da Sra da Piedade que segura o seu filho nos braços que contempla o seu Filho morto. Também os motivos da cara nos poderão fazer retomar, não só o que se disse com a ajuda do Padre Pedro Boto acerca da cara de Jesus na Pietá de Miguel Angelo, mas também as últimas palavras de Jesus a cruz. “A justiça era coisa cruel e a esposa dava-se por satisfeita quando aquela lhe assistia”: esta é a oração de Maria junto à cruz, quando retoma o “uma espada trespassará a tua alma” e “guardava todas estas coisas em seu coração”.
  Adiantando-me um pouco no texto, insiro aqui o “- Levanta-te, Walter, vai abrir a porta!” como clara inversão do que fizera o Cireneu, mas que não deixa de testemunhar aqui a entrada do desafio na vida de Walter. E nesta linha, inserimos também aqui o “observou, nitidamente fascinado o rosto do seu pai” de alguma maneira afectado pelo acidente não seria fácil encará-lo e esta é uma emblemática imagem usada para ilustrar o rosto sofredor de Jesus.
  Para concluir esta breve reflexão acerca da “via sacra” surge como brincadeira Roosevelt, o escravo que chora por seu patrão sem compreender bem a sua situação de escravo provavelmente, o que nos actualiza a imagem das mulheres de Jerusálem que antes deviam chorar por seus filhos.
  “Talvez esta desgraça fosse o que era preciso para Walter acordar.” Este é o desafio do encontro com Jesus morto e ressuscitado, como presenciamos no exemplo do bom ladrão ou do centurião e para aí se encaminha a continuidade do texto de Flannery O’Connor.

Por que motivo se rebelam os pagãos?
Entrar neste conto de Flannery O´Connor é como entrar num edifício cristão onde as palavras se revelam e nos permitem olhar aquilo que já conhecemos em outros momentos ou em outras passagens.
A começar pelo olhar ferido com que olhamos estes momentos dolorosos encontrados na morte e na crucificação de Cristo, desgraça essa que desperta para o implacável, para o impressionante da vida, surge-nos um caminho de esperança - o momento de chegar a casa e reencontrar aqueles que mais amamos e que nos esperam… sentido a forte respiração por um momento especial que raras vezes acontece nas nossas vidas.
Passando pelos dedos, que marcam e demarcam a experiência de cada um, como quem marca um parágrafo do livro quando pára, pensando e dando sentido às palavras que o atravessam, numa busca desmedida de sentido para explicar todo o momento da paixão.
Os sentimentos fortes que se sentem num caminho, numa experiência que abre horizontes, que demarca as nossas faces com lágrimas e que num momento de morte olha, olha para o alto como quem se entrega por inteiro. E nesta forte experiência o rosto da mãe endurece ainda mais, o coração aperta, a boca transforma-se em indignação e a cabeça treme, uma “revelação instantânea de que o filho não tinha lar. Não tinha lar aqui e não tinha lar em lado algum”.
Este homem, diferente, que se ocupava de trivialidades, de temas que não faziam sentido, que apresenta um amor que deve ser “pleno de fúria”, que adverte aqueles que não sabem o que fazem na casa de seu pai, daí que se apresente como um general - que julga os vivos e os mortos, denominado de Jesus.

Antonino Gomes de Sousa